quinta-feira, 26 de abril de 2012

Uma débil tentativa.

Lá estava você. Sentado naquele banco de concreto a beira do rio. Era final de uma tarde morninha. Os tons alaranjados do sol, que logo se poria, já tomavam conta do anil que nos assistiu durante todo dia. A brisa fria formava ondinhas graciosas a beirada, que se quebravam nas incontáveis pedras lisas que ali haviam. O som do suave agito das águas, talvez até tão mais belo quanto uma composição de Liszt, era tudo o que ouvíamos nos dez primeiros minutos em que me sentei a outra ponta daquele banco. Seu olhar perdido e melancólico, de alguém desconexo, perdido em um caos de pensamentos, remetiam ao paradoxo da sua contida ansiedade com o tranquilo ambiente que emoldurava aquele momento. Ao contrário de você, simplesmente sentei-me ali sem pressa. Sem necessidade de qualquer resposta ou fala. Eu simplesmente estava ali, como sempre estive, caso você precisasse de mim. Foi então que, enquanto continuava olhar a outra margem do rio, aquela sensação de descarga elétrica percorreu meu organismo, pois seu olhar estava fixo em mim, e era tão efetivo quanto um toque. Retardei o impulso de devolvê-lo. Então ouvi seu ofegar, ouvi seu inexprimível soluçar e o lamento que se extravasava em lágrimas. Não resisti. Tive de olhá-lo. Nos encarávamos e sua melancolia era a minha também. Seu pesar se tornou o meu. Nada fazia tanto sentido, ao mesmo tempo que em tudo havia sentido. Então você se debruçou e deitou em meu colo. Sentia as lágrimas quentes sobre o tecido. Relutei sem sucesso algum contra o instinto do afago, enquanto suas mãos emergentes me seguravam com força. Com os olhos marejados, entre os dedos eu sentia a textura dos seus fios de cabelo, exatamente como na minha lembrança. O furor de sentimentos se alastrava pelos nossos corpos. Então você se ergueu, afagou meu rosto, tentando conter o choro e fracassando. Era como uma criança que sofre de inanição, com o estômago retorcido de fome. Tanto arrependimento, tanto sofrimento, tanto desespero, ao mesmo tempo tanta gentileza, desejo e amor. Entre os soluços, você tentava se justificar, algumas vezes só balbuciava qualquer coisa ininteligível, então tive de interromper-te com o indicador gentilmente repousado em teus lábios, quando um atordoante "eu te amo" foi a última coisa que lhe ouvi dizer. Foi então que ali ficamos até a noitinha, contidos em um abraço que talvez nunca precisasse de um fim. Onde o silêncio, que uma vez nos fez distantes, agora nos unia. Por fim, uma coisa era sabida, que o amor nunca havia nos deixado, quiçá nós houvéssemos o tentando despistar, mas ele sempre permaneceria. Independente do que fosse, o sentimento latente sempre haveria de se revelar. Tamanha fosse a contenção da falta, afinal até o pesar da ausência da falta se fez lástima, pois as lembranças jamais deixariam de existir, e o abstrato não se materializa pra que eu me desfaça como lixo. Eu ,ao menos, vou seguir assim, sem qualquer expectativa. Somente com aquela certeza de que isso talvez nunca mude. Um gosto suave e doce, que sempre há de apetecer meu paladar.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Do outro lado.


Um dia você ainda há de se deparar do outro lado. Vulnerável, fraco e machucado.
Você vai se perguntar como o feio, vazio e descolorido pode ganhar assim teu coração.
De repente as formas e as cores preencheram aquele espaço onde nada havia. Já não há possibilidade de se viver sem reconhecer o quão cativo a tudo isso seu coração se tornou.
Toda a existência negligenciada, todo engano, todo descaso e toda omissão. Agora é você quem está do outro lado, provando o fel do teu impiedoso descuido, do turbilhão de caos em lágrimas alheias que se amontoaram no teu cálice. Gole por gole, sem apressar-se, mas sem pestanejar. Por vezes você irá prender sua respiração, na patética tentativa de tapear o paladar, deixar o líquido viscoso e amargo escorrer goela abaixo.
Beirando a loucura com tantas perguntas acerca do infalível mal sucedido plano. Ser castigado por lembranças que irão se destrinchar em cada palpitar do seu coração, cada vez que o ar inflar seus pulmões.
Então você irá notar que só está cumprindo sua pena, em uma jaula de sentimentos e memórias que nem tão cedo irão se dissipar.
Em meio a todo seu orgulho, em meio a toda mentira a qual se submeteu, em meio a todo desencontro e todo seu esforço para evitar o inevitável desabrochar deste, hoje, pesaroso sentir, você há de fechar os olhos e lembrar daquele reflexo no final da descida, do apego infindável, da música que agora só você pode ouvir, da noite morna, de um olhar apertado, de um calor incessante e do vento frio, embalando todo esse seu amor salpicado de gotículas de nuvens de algodão, que mesmo em frente a este rascunho, sujo e amassado, fazem crescer sua esperança de o reescrever melhor dessa vez.

Agora você também já sabe, a dor de amor nunca é sempre tão fácil. Um dia todos vão se sentar do outro lado. Ninguém nessa vida passa ileso.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Um mero modo de vida egocêntrico...

Há de se cortar a lenha, mantê-la seca e alimentar a fogueira. Há de se conter o fogo brando, suficiente só para aquecer quem estiver ao redor e não deixá-lo se alastrar pela mata, mas não deixá-lo se apagar.
Há quem não saiba conter sua chama, há quem não saiba mantê-la. Há quem a deixe incendiar, destruir todo um recanto, todo um quarteirão, toda uma floresta, todo um coração.
Há quem goste de plantas, mas não faça ideia de como cultivar. Há quem as arranque pelo caule, pelo perfume inebriante, pela beleza estonteante, mas não sente pesar algum ao saber que sem sua raiz logo padecerá. Há quem as use para presentear. Há quem várias já recebeu, mas nunca soube regar.
Há quem goste de velejar. Içar as velas, sentir o vento, lidar com a imensidão solitária de um mar, divagar por tantas terras quanto puder, desprover-se de apego, não se vincular.
Há quem goste do soar de sua própria voz. Há quem acredite que com seu tom pode comandar todo um futuro por ordenar. Há quem queira, fale e faça, só pare pra pensar depois de deparar-se com o massificante estrago de toda idealização, concreta ou não, sempre utópica e imatura. Um viés ignorante de saber que muito sabe e descobrir que vive mediocremente como incendiário, tratando flores com descaso, velejando pois não há lugar que lhe caiba, não ouvindo nada há não ser o sibilar histérico e enfadonho de sua própria voz, em um ciclo repetitivo dos nada surpreendentes mesmos fracassos.
Já dizia Chico Buarque: "O tempo rodou num instante, nas voltas do meu coração."

terça-feira, 3 de abril de 2012

Lamentável viés.


Querem arranjar um esquema para o amor, tentar um novo enredo. Pensam que o amor é algo mágico, que se dá em um estalar de dedos no momento em que você enxerga alguém andando na orla da praia, subindo a rua, cruzando seu caminho, com um toque agraciador do sol, que contorna os traços perfeitos desta pessoa com sua luz e a brisa promove o deslumbrante efeito de belos cabelos esvoaçantes, o que torna a beleza arrebatadora e faz o bom senso esvair-se por algum tempo.
É isso, pensam que o amor é algum tipo de encantamento. Pensam que existe alguma fórmula extraordinária.
Não há. O amor vai além da sua atração superficial.
O amor é uma decisão. É uma responsabilidade. É algo muito maior do que um andar de mãos dadas, do que borboletas no estômago, do que abraços demorados, do que beijos desesperados, do que uma transa intensa, do que um pensamento que se perde.
A expectativa das pessoas é sempre a mesma: “espero ser feliz.”
Pouco comprometimento há com o sentimento do outro. Pouco comprometimento há com o bem estar do outro. Desde que tudo em mim esteja ok, não há com o que se preocupar. Subentende-se que o outro também deve estar “ok”. Sabemos que em uma relação não podemos pensar só em nós mesmos, mas quantos de nós, verdadeiramente, buscamos o bem estar do outro, além de fazer e cobrar atitudes que nos beneficiam, que de alguma forma nos façam bem? Lamentável é saber também que, em uma relação, fazer o bem ao outro, deveria ser o que nós satisfaz nisso. Somos militantes combatendo por nós próprios, sendo que unidos seriamos fortes. Acabamos por lutar até com os que deveriam ser nossos aliados. Buscando a satisfação pessoal, não fazendo bem a ninguém de fato, não conseguindo chegar a lugar nenhum e não entendendo o motivo de tanto fracasso.
Vamos experimentando pessoas e pessoas, para descobrir qual apetece mais.
O conhecer é tão superficial, que a maioria dos relacionamentos são constituídos por aparência e quando você realmente descobre a pessoa que está ao seu lado, é tarde.
O respeito se perdeu dentro de nós e por nós mesmos. O egoísmo se elevou em grande escala em uma sociedade em que individualismo impera. Você em primeiro lugar. Esse é o nosso lema. Comprometer-se é arriscado, é demasiado, então vamos suprir nossas carências afetivas de uma forma mais amena, sem um envolvimento total, um dia quem sabe. Vamos ficar no meio termo, nem pra mim, nem pra você.
Arriscar-se pra quê, não é mesmo?
O mundo caminha assim. Penso em mim, enquanto você pensa em você.
Quem realmente tem coragem e integridade para abandonar o ego e estender sua preocupação para além de si mesmo, respeitar, importar-se e cuidar de outro, porque assim escolheu e honra esse compromisso, anda meio fora dos padrões por aqui.
O amor virou um produto barato, uma boneca inflável. No entanto, você vai viver buscando e isso nunca será amor se você não souber se comprometer respeitosamente com alguém, além de si mesmo.