quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Lana e Cadu. - Part. 5


Ah, se eu soubesse algo sobre o tempo, se pudesse manipulá-lo. Tento correr contra o tempo, tento correr com o tempo, enquanto ele corre de mim e todos tentando poupá-lo, e não há tempo para tanto desperdício, não há tempo para tanto desamor, não há tempo para tanta ilusão, não há tempo para se viver tanto, há muito tempo não há.
Acordar, olhar para o cinzento céu amanhecendo, de um dia tão preguiço como eu, desajeitada confortavelmente sob as cobertas, até que a maciez da cama me pareça enfadonha e eu me levante para olhar as nuvens através da varanda.
Há quem prefira um céu azul e ensolarado, já eu aprecio a melancolia do cinza que preenche o céu, harmonizando com o uivo doído do vento gelado.
Eu precisava sentir algo, misturar-me a manhã, ser parte dela, afinal tínhamos tanto em comum. Então abri as portas da varanda, deixei o vento entrar, espalhando algumas folhas que haviam em cima da minha escrivaninha pelo quarto e tocando com sua frieza a minha pele. Pude sentir o calafrio percorrer a espinha, causado pela atmosfera daquela manhã, enquanto fechava os olhos para idealizar que, talvez, você se levantasse da cama e viesse me abraçar por trás, e aquecer minha pele, que teve seu calor roubado pelo vento. Beijar minha nuca e sentir seu hálito em meu ombro, enquanto repousasse seu queixo nele e fechasse as portas da varanda, mas ficaria ali comigo a observar a beleza daquele dia nublado, que você também compreende, de alguma forma, como eu.
Ao voltar a realidade, após um espirro, percebo que nada daquilo poderia acontecer, afinal você nunca esteve ali. Mesmo ilusão após ilusão, eu tenho essa péssima mania de continuar fantasiando com algo que, hoje eu sei, não acontecerá outra vez.
A irreciprocidade machuca, a covardia frustra.
Lá vou eu viver, fechar as portas da varanda, retomar alguma cor em um banho quente e tirar forças, sabe Deus de onde, pra continuar e esquecer de tudo, que eu jamais quero esquecer e que quem sabe, pois ainda ressoa em mim essa esperança ridícula de que você se lembre de algo, pra que eu não viva só esse caos.
Então ouço a campainha tocar freneticamente, sem entender quem poderia tão urgentemente querer falar comigo aquele horário. Coloquei meu hobby e corri para a porta.
Ao abrir a porta me deparo com meu lindo vizinho, aquele, lembra?
Dessa vez com uma expressão nada agradável. Mais precisamente sombria, com um olhar perturbado.
"Rafael! Tudo bem?"
"Não, mas vai ficar." Ele sorriu, dessa vez sem encanto.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Além.

Do doce ao amargo, do sólido ao devastador, do agradável ao desconfortável, do riso a melancolia, do apego ao desprezo, da superfície às profundezas,do claro ao escuro.
Eu me vi assim: Um belo castelo desmoronando. Um belo navio no clímax de seu naufrágio.

E era assim que eu deveria estar, era assim que você queria me achar, não é mesmo?
Era isso que você queria me mostrar, não dá pra depender do amor de outro alguém que não seja o seu.
Pois sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Ti, daqueles que são chamados segundo o seu propósito e, certamente, foi assim que você me fez enxergar a força que eu de fato não possuo, mas que vem de você. O quão vulnerável e ridícula eu posso ser, mas se eu simplesmente deixar que você se achegue e sente aqui ao meu lado, que caminhe comigo, que se eu não ignorar as tuas batidas a minha porta e lhe deixar entrar para que possamos viver juntos, e eu possa ouvir o que tens a me dizer, enxergar o que tens a me mostrar, posso viver além do limites que me são atribuídos até mesmo pela minha própria natureza.

A tamanha dependência de um simples ser que anseia constantemente por aquele que o criou, pois é o único que também pode me manter. Saber então que teu amor, diferente do amor de qualquer outra pessoa que pode falhar ou nem existir, é eterno, que teu amor nunca há de passar, que antes mesmo que alguém pudesse idealizar minha existência, você já fez o que fez por me amar, faz com que eu entenda que a vida não faz sentido algum se eu não vivê-la em ti, se não permitir que você viva em mim.

Obrigada pelo inexplicável e imerecido cuidado. Não pude resistir a você, não há como não te amar, Pai.

Um dia eu volto pra casa, e levarei comigo quem pelo meu caminho quiser te amar também. Te espero... Te espero, com amor.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Lamento.

"Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."

Descaso. Utopia. Soberania de fortes gananciosos, desfavorecendo uma maioria que tem direitos assegurados em uma Constituição,que parece não passar de um punhado de palavras amontoadas, de conteúdo formal, de forma escrita, de modo de elaboração dogmática, de origem promulgada, de estabilidade de normas rígidas, de extensão analítica e, por fim, de finalidade diligente, mas que estão, simplesmente estão ali e ignoradas são e continuam a ser, e sabe se lá por quanto mais tempo serão. De nada adianta. Sempre haverá a grande e maior parcela da população ignorante, censurada e deixada as beiradas. Brasil é um país de minoria, belo país de se olhar, cheio de desigualdades e caos, cheio de egos medíocres liderando em prol de si, ocultando o paragrafo único do artigo 1º, se fazendo sobressair sobre o gigante intimidado, que desconhece sua força e o estrondo de sua voz, vulgo, povo.

Art. 1º:
Parágrafo único. "Todo o poder emana do povo(...)"

Faça valer! Não se deixe manipular, exerça com responsabilidade um dos seus maiores poderes, a escolha.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Continuando.


Talvez eu esteja bem. Sinto-me bem, embora ainda haja aquela parte deslocada. Aquela parte machucada.
Já pensei em me olhar com os olhos de outra pessoa e, por mais que eu me empenhe em imaginar, nunca saberei de fato como sou vista.
É bem mais fácil pensar no próprio desconforto, é bem mais fácil se enfezar com o agressor, é bem mais fácil enxergar só de um lado.
Talvez todos tenhamos uma parcela de culpa. Talvez todos tenhamos contribuído para tal conturbação.
Nunca imaginei algo a se depreciar tão rápido, como açúcar a se dissolver em um líquido qualquer.
As vezes paro e penso, tento e (in)tento encontrar algum motivo, alguma lógica, algum sentido para as ruínas que surgem disso tudo. Olhar para elas, até encantar-se com a beleza decadente de seus destroços, de seus pilares desgastados que restaram e suas cores desbotadas. Vislumbrar a estrutura que ali já houve e os grandes eventos que comportou e agora não passar de lembrança, insignificância, relevante só pra quem aprende e valoriza algo daquela velha história.
Há quem possa indagar se realmente aquilo existiu, se realmente houve algo que mereça
algum relato meramente, talvez, vago ou cheio de ilustrações, ou uma descrição com mais apreço, mas nunca será suficiente para descrever o que somente quem viveu, viu e por ali passou recruta em algum canto discreto de sua mente com todo carinho e cuidado que possa haver.
Há quem diga que foi devaneio, há quem diga que foi ilusão. Há quem diga que nada daquilo poderia ser real. Então devo dizer que talvez eu esteja entorpecida, desvairada, pois sinto. Ainda enxergo, ainda há credo. Mas aí vem a parte ruim, talvez tenha sido verdade só pra mim.
A vida não é tão simples assim, eu sei que não. Não dizemos sim e tudo acontece. Não é certo colocar a responsabilidade nas mãos de Deus das atitudes que nós mesmos devemos tomar. Ele não virá nos prestigiar com sua intervenção divina, tomar a frente e lidar com a situação que nos cabe. Claro, dEle vem a orientação, Ele acompanha, aconselha e dá a força, mas a escolha é nossa. Nosso futuro depende disso.
Seguir em frente, como a gente faz? Não se deixa de sentir o que se cultivou no coração. E talvez esse sentimento permaneça ainda lá por um bom tempo. Dias, semanas, meses, anos e quem sabe por quanto, até que eu escolha deixar de sentir e desapegar.
Se algo não deu certo e você começou isso com alguém, encare que ambos são culpados. Não pode se atribuir a maior ou única fração de culpa a um único lado, temos nossas tendências e péssimos hábitos.
A diferença está em como você lida com isso, em como você dá a volta por cima. As vezes você tem de seguir em frente em meio a tantos escombros descalço. Machuca no começo, mas você aprende se proteger, entende que precisa se calçar e as feridas saram, até chegar a um parte da estrada livre de todo esse caos.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O avesso.


O conjugal é complicado
O amar é simples
A engano se torna fardo
E fardo cansa
Cansaço desgasta
E o desgaste é mau humorado
E o mau humor faz doer o alheio
Seco, sujo, frio, indiferente
A insensibilidade cresce
Quase sobrepuja-se ao ego
Mas o ego se expande além
Prefere ser só
Deixa o ego oposto ao léu
E a integridade morre
E convence-se de que existe
Mas a própria verdade mente
Desde que a intuição a decifrou
Não engana-se um coração
Pois o próprio já é engano
Conturba a mente
De quem não é são e pensa ser
Mas a escolha é o que vence
E tardio sempre é arrepender-se
Embora sempre ainda haja tempo para tal
E o amor só quer dizer
Que não é sentimento de um só
Embora intransitivo
dispensando complemento
Não deixa de ser verbo
e precisa de ser conjugado
E ai sim ele surge completo
E se basta, sem confusão
E entenda que o avesso
é o que sustenta a aparência
Pois pra tudo há uma estrutura
Que revela o que se vê de fora
E isso nunca é o mais importante
Mas sim o latente, o que não se percebe
e por dentro pode ser tão belo, ou o
incerto desmantelado horrendo.