quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Rita e Marco. (Parte 11)



"Dona Carmem, eu acho que não deveria estar aqui. Sinceramente, não estou entendendo nada... Quem é aquele rapaz?"
"O ex-noivo de Rita." - Ela sussurrou.
O meu coração disparou tamanha a frustração. Por que ela nunca disse nada? Tudo bem, nos conhecemos há pouco tempo, mas será que aquele beijo significou alguma coisa?
Rita fechou as cortinas do quarto e saiu para fora.
"Vovó, a senhora me deve boas explicações."
"Minha filha, você deve explicações a este moço aqui. Não queria me intrometer, mas você precisa pensar melhor nas suas atitudes."
"Marco, eu não sei por onde começar."
"Não precisa dizer nada. Acho que eu não tenho nada pra fazer aqui. Melhoras para o seu... seu... o que quer que ele seja pra você." Só então percebi como as palavras soaram agressivas de minha boca. Não dava pra esconder minha chateação. Jamais importaria o quão bem vestido eu estivesse, ou o quão bonito eu pudesse parecer, nada disso importa quando se trata de amor. Talvez eu desejasse só as mulheres erradas e estivesse descartando alguém ao meu redor que realmente gostasse de mim, mas eu vislumbrei que eu e Rita talvez pudéssemos dar certo.
Eu me virei para ir embora. Fui caminhando pelo corredor enquanto ouvia os passos de apressados atrás de mim.
"Marco, por favor, espera!"
Eu pensei em não parar e ignorar, mas o que aconteceu demais entre nós? Foi só um beijo. Um beijo que partiu da iniciativa dela, claro. Só que fora isso, não tínhamos nenhum compromisso, não tínhamos nada além da amizade.
Então eu parei, disfarçando a real tristeza que eu sentia em olhar pra ela e lembrar das sensações que ela me provocava.
"Ei, vamos conversar, por favor."
"Pode falar, Rita."
"Podemos ir para outro lugar?"
"Você vai deixar seu... enfim, você vai deixá-lo sozinho?"
"Minha vó vai ficar por lá, caso ele acorde. A propósito, seu nome é Ivan."
"Hum... Então, aonde você quer ir?"
"Vamos a lanchonete do hospital."
Entramos no elevador e pode acreditar, o silêncio era constrangedor. Eu não sabia o que dizer, também não tinha muita certeza se gostaria de dizer algo. No fundo eu queria trazer Rita pra perto de mim, beijá-la, abraçá-la ali por quanto tempo eu pudesse, mas eu comecei reprimir todos os meus desejos. Decepção, talvez fosse isso, mas eu precisava ouvir o que ela tinha a dizer. Talvez não fosse nada do que eu pensava. Talvez ainda houvesse esperança.
Nos sentamos em uma mesa, no canto da lanchonete. Rita se apoiou sobre a mesa, com as mãos cruzadas, enquanto balançava os pés, demostrando sua inquietação.
Eu simplesmente me sentei, jogando todo peso de meu corpo sobre o encosto da cadeira, com as mãos sobre as pernas, olhando pra ela, talvez um tanto melancólico, mas tentando parecer calmo, totalmente corroído por dentro no momento.
Ana abaixou a cabeça, passou as mãos em seu cabelos, olhou para mim e disse:
"Eu não sei por onde começar."
"Pelo começo, talvez, mas é só minha opinião." Forcei um sorriso de canto para combinar com meu sarcasmo. Então decidi me calar, afinal eu não estava melhorando a situação.
"Há um ano eu tive uma briga feia com Ivan. Uma amiga minha, amiga não, amiga não faz o que ela fez... Enfim, ela me disse que estava saindo com o Ivan. Que ele era um cafajeste, mentiroso. Eu sempre soube que ela tinha uma queda por ele, mas quando ela me disse, achei que fosse inveja por conta dos comentários sobre a minha aliança, até que ela me mostrou uma foto dos dois juntos. Então depois de uma discussão feia, rompemos. Confesso que ele não era dos melhores, tinha seus defeitos, mas eu o amava, entende?"
"É, acho que entendo." Inclinei a cabeça e espremi os lábios, enquanto o olhar de Rita vagava longe, como se ela estivesse vislumbrando o ocorrido, ou talvez só estivesse sem graça de me encarar.
"Alguns dias depois do rompimento, ele sofreu um acidente por dirigir alcoolizado. O irmão dele faleceu. Ele entrou em coma. A mãe dele disse que isso era minha culpa, não queria nem que eu viesse ao hospital para vê-lo. Disse pra sumir da vida dele. Enfim, eu fiz amizade com uma enfermeira do hospital. Sempre ligava para saber como ele estava, mas os médicos não sabiam nem se um dia ele iria acordar do coma. Os traumas foram muito graves, foi sorte ele ter sobrevivido. Foi exatamente isso que o médico disse. Eu ligava todos os dias, até que comecei ligar menos e menos, até parar de ligar. Todos diziam que eu tinha de começar a viver e deixar o passado pra trás. De alguma forma eu não achava justo saber da sua situação e tocar minha vida como se nada houvesse acontecido. Eu vivi triste por tanto tempo, até te conhecer e sentir uma estranha alegria de novo... Estranha porque eu já não estava mais acostumada a bons sentimentos."
"E então?" Questionei, mais compreensivo, agora eu podia enxergar a situação de Rita.
"Então, eu achei que alguma coisa estivesse acontecendo entre a gente, até encontrarmos aquela sua amiga, Ana, no shopping e perceber que você era apaixonado por ela e não por mim e voltar a minha realidade."
"Rita, hoje eu acordei pensando em você. Eu acordei pra te ver, acordei porque eu queria que nós continuássemos de onde paramos, daquele beijo. Você mudou tudo, por isso eu acordei disposto a tentar."
Eu me inclinei e segurei a mão de Rita, sem me preocupar em ocultar meus impulsos, agora eu sabia que ela realmente sentia o mesmo. Então eu vi seus olhos se encherem de lágrimas. Ela recolheu rispidamente sua mão e se levantou. As lágrimas começaram deslizar pelo delicado rosto de Rita.
"Agora é tarde, Marco. Ivan precisa de mim... Ele... Ele despertou do coma e a primeira pessoa por quem chamou fui eu. Eu vim vê-lo e nós estamos juntos novamente. Eu prometi que ficaria com ele."
Um balde de água fria. Aquelas palavras soaram tão contra o vento, doeram tanto, mas diferente de Ana, eu sabia que Rita me correspondia.
"Desculpe, mas depois de tudo o que ele te fez? Tudo bem que ele sofreu um acidente terrível, que precisa de apoio, de cuidados, de afeto, mas Rita, você sabe que eu jamais faria o que ele te fez."
"Marco, eu não posso desfazer o que já está feito."
"E eu já não consigo pensar em te deixar."
Rita, saiu da lanchonete e foi para o corredor enxugando as lágrimas.
"Marco, você precisa ir embora."
"Não. Eu não vou!"
"Ele não pode te ver aqui."
"Eu não me importo."
Rita parou e me encarou de frente.
"Por favor, eu só preciso que você saia daqui."
"Eu não acho que é realmente isso que você quer."
"Você não sabe o que eu quero."
"Mais do que isso, Rita, eu sinto!"
Pressionei os meus lábios contra os de Rita, enquanto a envolvia em meu abraço, e inutilmente com os punhos fechados em meu peito ela tentava me afastar. Até que ela sucumbiu, e eu podia sentir suas mãos em meus cabelos me puxando pra mais perto, e eu a envolvia mais firme, aproximando nossos corpos o máximo que eu podia. Eu sabia que ela também queria isso. Sentia o gosto salgado das lágrimas que escorriam de seus olhos. Eu sentia a respiração irregular de Rita, sentia o coração dela palpitar tão acelerado quanto meu.
Até que ela afastou seus lábios dos meus, colou a testa contra minha, enquanto eu tentava alcançar novamente seus lábios e ela tentava se esquivar, mas parecia não ter forças pra se desvencilhar do meu abraço.
"Marco..."
Eu parei, sem soltá-la, sem querer fazer isso sabendo que era exatamente o que ela iria pedir.
"Vá embora, por favor."
E a tristeza tomou conta de novo do meu semblante. Por que tudo tinha de ser tão complicado? Então eu me afastei.
"Eu ainda não desisti de você, Rita."
Ela virou o rosto pra não me olhar novamente.
Então eu parti.
Não, eu não ia deixar tudo escapar assim tão fácil. Rita deveria ser mais convincente se realmente não me quisesse mais.

Acordei muito cedo no sábado. Minha mãe vendo que eu estava disperso e não tão alegre quanto no dia anterior, sugeriu que fôssemos ao sítio de um tio meu. A princípio não queria sair de casa, mas pensei que talvez um pouco de ar fresco me faria bem.
Acordei Caio, que estava relutante em sair da cama, até eu dizer que iríamos ao sítio. Então ele se aprontou em exatos 10 minutos.
Eu fui em silêncio, dirigindo por todo caminho, enquanto minha mãe afagava minha nuca, e Caio estava entretido com seu PSP.

Neste sábado o tempo estava seco demais. O calor queimava meu braço através da janela. Mesmo com os vidros fechados e ar condicionado ligado, estava quente demais.
Chegamos ao sítio. Tio Murilo já estava lá nos esperando, com aquele chapéu de peão e um irradiante sorriso em meio a barba branca, que desde menino eu nunca o vi sem.

"Marquinho! Como'cê tá grande, rapaz! É um homi feito já... E ocê, Caio! Como tá crescido também... Mas que saudades do'ceis... E ocê, Maria, minha irmã!" Ele disse abraçando minha mãe, depois de despentear Caio. "Como tá a vida?"

"Vai bem, irmão! Tirei esses meninos daquela casa pra respirar um pouco de ar fresco."
"Fez bem, Maria! Fez bem. Vamo entrando, gente!"

Fomos entrando naquela casa enorme, cheia de crianças, pelo menos uns sete filhos ele tinha, e sua segunda mulher era pelo menos uns 10 anos mais nova. A primeira era estéril e vivia com problemas de saúde, por isso faleceu cedo.

Lembro de quando meus pais me traziam aqui quando criança. Eu costumava ficar jogando pedras no lago para fazê-las pular. Eu era bom nisso.

Depois de jogar bola com as crianças e meu irmão, sujei toda camiseta de terra e pra variar eu não havia trazido outra. Entretanto, até que consegui me distrair bastante durante o dia.
Devo admitir que a mulher de meu tio era uma excelente cozinheira. Em poucas horas ela havia preparado um banquete naquele fogão de lenha. Eles tinham sim um fogão convencional, o sítio não era assim tão rural, mas meu tio queria que soubéssemos a benção que é morar junto a natureza.

Depois do almoço fui até o lago com meu irmão e ficamos jogando pedras. Mas, logo ele se fartou de ficar ali comigo e foi se deitar em uma das redes da varanda junto a nossa mãe. Caio já tinha 19 anos e cursava cinema. Minha mãe pegava um pouco no pé dele, achava que ele devia fazer medicina, direito ou engenharia. Uma dessas coisas que todo o pai gostaria que seu filho fosse.

Fiquei sentado na beira do lago e reparando a beleza daquele lugar. Lembrando do meu falecido pai, que costumava pescar ali comigo enquanto contava uma série de histórias de assombrações, de reis, de guerras e princesas. Típicas estórias de pescador. Eu gostaria que Rita estivesse ali comigo, mas ela tinha decidido por um cara que havia partido seu coração há um ano atrás. Dá pra entender as mulheres? Tudo bem que ele estava mal, acabou de voltar de um coma, todo arrependido, mas Rita precisa saber que eu não vou desistir até que eu a veja no altar com outro cara. O Sol era muito forte, então tirei aquela camiseta suja de terra, e me deitei na grama e a coloquei sob a cabeça, fechei os olhos e fiquei ali.
Fiz um breve balanço da minha vida e fiquei feliz em saber que tinha me libertado dos sentimentos por Ana, e que agora tinha boas lembranças de uma amiga.
Foi então que um vento gelado soprou e o céu escureceu. Senti uma gota cair sobre meu peito. Então me levantei sem pressa. E a chuva começou a cair. Eu simplesmente não me importei, só a deixei me molhar.

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